terça-feira, 26 de junho de 2018

Um ato de coragem

Estava sentado no meu quarto, buscando inspiração para escrever alguma coisa, quando me ocorreu a ideia de olhar a linha do tempo do Facebook, rede social na qual tenho conta desde os idos de 2010. Olhei, olhei e vi mais do mesmo: fotos de pessoas na praia, fotos de jovens se orgulhando do que comeram na noite anterior, fotos de outros jovens em poses um tantos sensuais e legendas cheias de hashtags. Nada me chamou a atenção em especial, mas continuei a olhar as imagens que me apareciam na tela na medida em que minha mão direita fazia correr no dedo indicador a pequena rodana do mouse.

Meus olhos percorriam toda a tela mas só conseguiam se fixar em alguma coisa que parecesse fazer sentido. Nada eu encontrei, nada era tão importante, muito pelo contrário, algumas imagens que eu via me causavam uma mescla de náusea e desgosto. A minha procura, contudo, não foi em vão. Apesar da aparente futilidade do que eu estava fazendo, alguns movimentos a mais na rodana me fez deparar com a foto de uma jovem. Não uma jovem qualquer, não a mais bonita, tampouco a mais sensual. Não estava procurando nada disso na minha despretensiosa visita ao Facebook.

Ao ver a foto desta jovem, uma virtude eu observei. Porém, isso só me foi possível por já conhecer a história dela. A foto foi o chamariz. A virtude observada é a coragem. Sim, a coragem, que é o meio termo entre a covardia e a temeridade, para usar uma linguagem aristotélica. A moça é corajosa. 

A senhorita da foto abriu mão de sua vida em família, de relacionamentos fraternais, de convivências prazerosas para se dedicar a um trabalhado missionário no leste do Pará. Não me ocorre interesse algum em questionar as motivações religiosas da mesma, mas em analisar o ato em si, numa perspectiva filosófica. 

Ela é jovem, é bela, é inteligente, sabe defender suas ideias, sabe se projetar e influenciar, arranca admiração de muitos, lamentações de outros, entende sua própria vida e tem convicção no que está fazendo. Ela quis ser o que está sendo. Contudo, a vida dela é uma negação. Ela nega o próprio fluxo de sua existência, embora julgue que não.

O filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) discutiu em algumas das suas obras a moralidade numa perspectiva de desconstrução. Segundo o pensador, tudo que vai de encontro ao que ele chama de vontade de potência deve ser refutado, combatido, rejeitado. O ser quer existir, ele é o que deve ser, tudo que quer, deseja, pensa e faz, de algum modo, é a expressão de sua própria natureza. Ele deve ser livre para ser o que a sua natureza lhe proporciona. A jovem da foto certamente não pensa assim.

Como já disse, para ir ao Pará, a jovem abriu mão de muitas coisas, entre elas, os seus relacionamentos. Enquanto missionária, ela vive para outros. Esquece de si. Seus impulsos, entre eles o sexual, estão inibidos. Seus diversos desejos mais íntimos são combatidos e censurados de modo que sejam encarados como uma espécie de mal espiritual. Ela escolheu negar a si mesma, afirmar a sua vocação, negar seus impulsos, afirmar a sua missão.

Tudo isso me chamou a atenção por sua complexidade. Fazer o que a moça da foto fez requer muita coragem, muita convicção. Negar o outro pode ser difícil, mas sempre será mais fácil que negar a si mesmo. Colocar-se em segundo plano quando se tem todas as possibilidades de viver uma incrível vida epicurista requer muito altruísmo e para mim todo legítimo altruísta é um ser muito corajoso. Penso assim por saber que vivemos em um tempo em que o culto de si mesmo é buscado por pessoas dos mais diferentes lugares do mundo. Abrir mão de sua própria vida em prol de outros, seja por qualquer motivação, é um ato de muita coragem, convicção e, em certa medida, loucura. Mas o que é a vida sem uma moderada dose de loucura? 

A atitude da moça me fez pensar. Não sei se eu teria coragem de fazer algo parecido, mas de uma coisa tenho certeza: esta ação modificará o resto de sua vida. Penso que dois resultados são possíveis para o futuro da jovem: ou ela  chegará a velhice com a sensação de dever cumprido e compartilhará suas experiências com outros jovens que queiram uma vida altruísta, ou ela sentará, olhará para si, e verá que sua vida passou, que nada viveu para si mesma e que os prazeres naturais mais simples lhe foram negados em nome de uma convicção que ela já não tem. Por isso, me parece fazer todo o sentido a frase de Jean-Paul Sartre:

              Viver é isso: viver o tempo todo, se equilibrando entre as escolhas e as consequências.


Autor: Líniker Santana






6 comentários:

  1. Excelente reflexão, parabéns pela iniciativa em nos presentear com tao belo exemplo de serenidade e mansidão

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  2. Meu amigo Pacó, muito obrigado por sua ilustre participação!

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  3. Parabéns, ótima reflexão. A jovem faz toda a diferença e nos abre os olhos também,para fazermos a diferença em pequenas ações.

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  4. Parabéns pra meu querido professor Liniker por essas magnificas palavras muito objetiva, sabemos que o nosso tempo não é o tempo de Deus e quando Deus sopra o vento temos que obedecer cumprir as promessas que ele nos deixou, servir e trabalhar na obra do senhor evangelizando e ganhando almas la fora, que seguimos esse exemplo dessa garota. Saudade do nosso professor liniker ele é muito importante e creio que será um grande missionário porque ele tem sim: todas as ferramentas pra levar a palavra la fora um grande abraço.

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  5. Concertza essa moça chegará na sua velhice com a sensação de dever cumprido.No século em que vivemos é típico do ser humano o puro egoísmo, viver somente para si, não pensar nas necessidades do próximo. Em um mundo cheio de guerras, fome e miséria, essa moça não é mais uma em meio aos demais. Ela se preocupa com a necessidade dos outros e do seu próprio Deus, pois renegou a si mesma para viver uma vida de serviço em prol da causa deles. Concerteza um dia quero seguir o exemplo dessa moça, mesmo sem conhecê-la e parabéns pela postagem, pois isso trará mais pessoas a fazer o mesmo, etodas juntas farão muita diferença.

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  6. Um grato presente ler suas palavras pela ótica filosófica, com tão ricas e profundas reflexões. Parabéns professor!!!

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