quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Três verdades sobre o tempo

O livro de Eclesiastes (do hebraico koheleth, que significa "aquele que convoca a assembleia" ou simplesmente pregador) 
é um relíquia literária presente na Bíblia, que aborda temas de grande valor para a vida de quem o ler. São temas diversos, tratados na perspectiva de um homem que os viveu na pele e que agora, já envelhecido, reconsidera as suas prioridades e apresenta os paradoxos de sua própria existência.  Segundo a tradição judaica, o livro foi escrito pelo rei Salomão, filho de Davi, que reinou em Jerusalém entre 970 e 930 a.C. 

Um dos temas que Salomão trata em sua obra é o tempo, ao qual dedica boa parte do capítulo 3 do livro de Eclesiastes, além de alguns versículos nos capítulos 9 e 12. Uma definição dicionarística traz que tempo é "a duração relativa das coisas que cria no ser humano a ideia de presente, passado e futuro". Para os gregos o tempo pertencia ao deus Cronos, que também era o rei dos titãs. Esse deus era retratado com uma espécie de foice na mão que, segundo a mitologia grega, teria sido a ferramenta com a qual castrou o seu pai Urano. O tempo, como é possível perceber, carrega consigo um aspecto religioso e, é claro, pode ser discutido, interpretado, figurado de diversas formas, desde que em tudo seja trazida a sua irresistibilidade. 

Nem de longe querendo trazer teoria filosófica ou científica alguma, apresentaremos ao menos três "verdades" sobre o tempo, de acordo com o entendimento salomônico e pontuaremos a partir do texto de Eclesiastes como tais verdades podem ser "percebidas" em nossas próprias existências cotidianas, mesmo que distantes do glamour da vida do rei Salomão. 

A primeira verdade pode ser extraída do versículo 1 do já citado capítulo 3 de Eclesiastes. Está escrito: "Para tudo há uma ocasião certa; há um tempo certo para cada propósito debaixo do céu". O tempo alcança a todos e com todos é implacável. É observável que nada, absolutamente nada, o pode resistir para sempre. A irreversível rota do tempo leva consigo a beleza, a juventude, o vigor sexual, os sabores, a riqueza e, finalmente, a própria existência. O rubor da bela jovem que ensaia as palavras certas para dizer àquele a quem ama, com o passar do tempo é substituído por uma postura séria ante a vida que, por sua vez, dá lugar a um olhar sombrio diante da proximidade da morte. Esta primeira verdade é de fácil constatação, pois nossos heróis do passado sucumbiram ao tempo, nossas memórias, sonhos, medos e até desejos, todos por ele são submetidos. Com o tempo, as palavras de Salomão parecem ecoar em nossas mentes: tudo é vaidade, vaidade de vaidades!

Nos versículos dois a oito do texto bíblico já mencionado, há uma alternância entre ações positivas e outras consideradas negativas, na perspectiva do rei judeu. Há tempo de nascer, tempo de morrer, tempo de plantar, tempo de arrancar o que se plantou, entre outras. Este texto, longe de ser mero contraste literário, destaca que o tempo traz experiências diversas e que estas emolduram nossa existência em um ir e vir de sabores e dissabores cotidianos. A segunda verdade sobre o tempo é que ele testemunha momentos bons e ruins, ambos necessários para as nossas vidas. O valor de algo é exatamente a sua raridade e brevidade. Ser jovem é bom? Se sim, a razão está justamente no fato da juventude passar. Alegria e sofrimento andam lado a lado e são necessários para a efetiva existência humana. 

A terceira e última verdade está no texto do capítulo nove, versículo 8, que diz: "Em todo o tempo sejam alvas as tuas vestes e nunca falte o óleo sobre a tua cabeça". Com estas palavras, o escritor coloca que estar limpo, puro a todo tempo, é fundamental para um bom viver. Sem se prender a fatores unicamente morais, podemos afirmar que pureza e unção são recursos fundamentais para o tempo de vida que tivermos. Para quando tudo estiver bem ou não, para quando formos jovens ou velhos, para quando estivermos apaixonados ou desiludidos, ou ainda quando sentirmos que nada é importante, a pureza será o contrapeso para nos mantermos vivos, de bem com nós mesmos e com Deus. 

Estas verdades sobre o tempo podem ser entendidas como direcionamentos para melhor aproveitamento de cada momento da vida. A nossa vida só é curta se nós a encurtarmos nos preocupando com as coisas mais banais do nosso cotidiano. Vale a pena sorrir, antes que venha o tempo de chorar; e quando, o tempo de chorar chegar, as lembranças da leveza de estar feliz devem servir de combustível para manter viva a esperança de sorrir novamente. O tempo nos é dado como uma fonte que jorra abundante água, mas que vai diminuindo a cada dia que passa, até que seque o manancial. Há tempo para tudo e,  sobretudo, viver. 

Autor: Líniker Santana

3 comentários:

  1. Discorrer sobre as questões da temporalidade é na verdade algo muito valioso à reflexão de um um ser finito e agônico, que sofre mediante as questões humanas. Ao ler o seu texto, fez-me lembrar de uma temática bastante discutida por filósofos medievos, principalmente, por santo Agostinho. No entanto, seu texto remete a uma fonte anterior, ele é permeado de referências canônicas, sagradas, isso eleva a qualidade textual e o quanto é valiosa a sua reflexão. Excelente argúcia. Parabéns.

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  2. Parabéns, um texto reflexivo.

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