sábado, 19 de julho de 2014

A Defesa de Sócrates (Platão e Xenofonte)*

      399 a.C., O tribunal está formado. Cidadãos Atenienses provindo de diversas tribos formavam o tribunal heliasta, que reunia cerca de 500 membros. Aqui começa o Julgamento de um homem muitíssimo admirado por uns, e deveras odiado e repugnado por outros. Admirado pela carga revolucionária que trazia consigo, odiado pela carga revolucionária que consigo trazia. Este era Sócrates, que há anos se dedicava a uma missão que segundo ele teria lhe sido entregue pelo deus de Delfos, missão essa que o fizera tornar-se um andarilho, ao ponto de abster-se das riquezas, dos status e do glamour político. “(...) Isso começou na minha infância; é uma voz que se produz e, quando se produz, sempre me desvia do que vou fazer, nunca me incita. Ela é quem me barra da atividade política. E barra-me, penso, com toda razão; ficai certos, Atenienses: se há muito eu me tivesse voltado a política, há muito estaria morto e não teria sido nada útil a vós nem a mim mesmo.”. Porém a sua missão não o tornara um andarilho qualquer, a sua missão o tornou um andarilho questionador que dialogava com todos aqueles com quem o seu “demônio” permitia dialogar. Era um simples dialogo, mas passava longe de ser um dialogo simples. Dialogava com um objetivo, de modo a fazer com que seus interlocutores justificassem os conhecimentos que possuíam, e as virtudes que lhes eram apontadas. Assim, levava o interlocutor a argumentar a respeito da área em que era especialista, e após isso, o interrogava a respeito das opiniões emitidas. E o resultado geralmente era a constatação da fraqueza das opiniões externadas pelos seus interlocutores, falta de fundamentos em seus argumentos, contradições em seus conceitos. Desse modo, Sócrates colocou em xeque a reputação de muitos sábios, ao demonstrar-lhes por meio do “simples dialogo” a falta de suas sabedorias.  Foi por meio desse exercício que Sócrates descobriu o verdadeiro significado das palavras do Oráculo, que respondendo a Querofonte, disse que não havia ninguém mais sábio do que o tal “andarilho questionador”. Foi por causa dessa afirmação do Oráculo que Sócrates se pôs a investigar o verdadeiro sentido do enigma, e foi por causa dessa investigação, que aos 70 anos Sócrates foi posto como réu em um tribunal, acusado por Meleto, Anito e Licão, de Corromper a mocidade e de não crer nos deuses do seu povo. Como relata Platão em seu escrito sobre a apologia “Dessa investigação é que procedem, Atenienses, de um lado tanta inimizades, tão acirradas e maléficas que deram nascimentos a tantas calunias, e, de outro, essa reputação de sábio.”
      Chegado o dia do Julgamento, Sócrates apresenta-se diante do tribunal repleto de cidadãos Atenienses, provindo de diversas tribos. Em sua defesa, Ele se atém a rebater as acusações a grosso modo, discorrendo um pouco sobre sua trajetória, explicando aos presentes um pouco acerca da sua missão, na tentativa de demonstrar por meio do argumento que sua missão não tinha ligação alguma com as acusações que recaiam sobre ele: “Não tenho outra ocupação se não a de vos persuadir a todos, tanto velhos como novos, de que cuideis menos de vosso corpo e de vossos bens do que da perfeição das vossas almas, e a vos dizer que a virtude não provém da riqueza, mas sim que é a virtude que trás as riqueza, ou qualquer outra coisa útil aos homens, quer na vida publica, quer na vida privada. Se, dizendo isto estou a corromper a juventude, tanto pior; mas, se alguém afirmar que digo outra coisa, mente.” Durante sua defesa, Sócrates acusava seus acusadores de calunia, era uma tentativa de se vingar do homem que tirava a capa da sabedoria dos pseudo sábios e revelava a ignorância escondida por trás de tantas aparências. Em determinado momento da defesa, Sócrates trava um embate com Meleto, onde faz Meleto entrar em diversas contradições, dentre elas, Meleto acusa Sócrates de ateísmo, ao que Sócrates com muita ironia, desdenha de Meleto, que apesar de acusar Sócrates de ateísmo, afirma que Sócrates acredita e ensina que há poderes demoníacos. Ao que Sócrates chega a interrogar: “Logo, se acredito em demônios, estes são uma sorte de deuses, e eu teria razão afirmando que estas propondo uma advinha brincadeira, dizendo que eu creio em deuses ao invés de crer em deuses, pois se eu acredito em demônios, filhos de deuses, uma sorte de bastardos, nascidos de ninfas ou de outras mulheres a quem atribui a tradição, como não poderia crer em filhos de deuses e não em deuses?
      Mas Apesar da publica demonstração da incoerência, da contradição, da inconsistências de seus acusadores, Sócrates foi condenado. 
Como era de costume após o veredicto o acusado fixar sua pena, Sócrates foi convidado a fixar a sua. Seus acusadores tinham pedido pena de morte, Sócrates bem que poderia ter um fim diferente do que pediu a acusação, para isso bastava pedir uma outra pena. Porém Sócrates estava convicto da sua inocência, e aceitar qualquer uma outra pena, seria assumir uma culpa que não lhe era devida, culpa estava cuja consciência não o acusava.  E por está convicto da sua inocência, Sócrates fixa a pena que julgava merecer: “Ora, o homem propõe a sentença de morte. Bem; e eu que pena hei de propor em troca atenienses? A que mereço, não é claro? Qual será? Que sentença corporal ou pecuária mereço eu que entendi de não levar uma vida quieta? Eu que, negligenciando o de que cuida toda gente: riquezas, negócios, postos militares, tribunas e funções publicas, conchavos e lutas que ocorrem na política, coisas em que me considero de fato por demais pundoroso para me distrair sem me perder, não me dediquei àquilo, a que se me dedicasse, haveria de ser completamente inútil para vós e para mim?Eu que me entreguei à procura de cada um de vós em particular, a fim de proporcionar-lhe o que declaro o maior dos benefícios, tentando persuadir cada um de vós a cuidar menos do que é seu do que de si próprio para vir a ser mais sensato, menos dos interesses do povo que do próprio povo, adotado o mesmo principio nos demais cuidados? Que sentença mereço por algo assim? Algo de bom, Atenienses, se há de ser a sentença verdadeiramente proporcionada ao mérito; não só, mas algo de bom adequado a minha pessoa. O que é adequado a um benfeitor pobre, que precisa de lazeres para vos viver exortando?Nada tão adequado a tal homem, Atenienses, como ser sustentado no Pritaneu; muito mais do que a um de vós que haja vencido, nas olimpíadas uma corrida de cavalos, de bigas ou de quadrigas. Esse vos dá a impressão da felicidade; eu, a felicidade; ele não carece de sustento, eu careço. Se, pois, cumpre que me sentenciem com justiça e em proporção ao mérito, eu proponho o sustento no Pritaneu. Assim sendo, só havia duas alternativas para os juízes: ou a pena de morte, ou alimentar Sócrates no Pritaneu enquanto este vivesse. Prevaleceu a decisão da maioria, e Sócrates foi condenado a morte.


*O autor: Islânio Santiago é estudante de Filosofia da UFAL, Universidade Federal de Alagoas e atua como professor na Rede Estadual de Ensino de Alagoas, lotado na cidade de Joaquim Gomes.

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