Caverna do Dragão é um desenho animado que
marcou a infância de muita gente, deixando marcas permanentes do "ar de
mistério" que ele possui. Embora tenha sido produzido originalmente no
início dos anos oitenta (1983), foi a partir dos anos noventa que o desenho
emplacou grande sucesso no Brasil. Ao mostrar as aventuras de seis adolescentes
americanos que, depois de um passeio de montanha russa, foram parar em um lugar
misterioso chamado apenas de "O Reino", o desenho animado conseguiu
se eternizar na mente de toda uma geração de crianças e ainda registra
significativa aceitação pelas crianças da atual geração.
Como
fã de Caverna do Dragão que sou, me ocorreu a ideia de analisar cada um dos
seis personagens à luz do perfil de alguns filósofos antigos, modernos e até
contemporâneos. Provavelmente todo apreciador desta inesquecível série consegue
descrever o perfil do seu personagem preferido ou até de todos, dependendo do
grau de apreciação que tem. Ciente de que muitos leitores (e fãs do desenho)
discordarão desta análise, o faço com bastante leveza e até desejo muito ler as
prováveis críticas nos comentários.
Vamos
começar a análise pela Diana. Diana é a acrobata. Suas notáveis habilidades
consistem em movimentos ágeis, ideias rápidas e atitudes milimetradas. Além
disso, ela possui bom senso de humor, sempre com boas risadas que podem ser
constatadas em alguns episódios. Considerando que leveza e bom humor são as
características predominantes da personagem, recordo-me do filósofo cínico
Diógenes de Sínope (413-323 a.C.). Diógenes, famoso pelas anedotas atribuídas a
ele, é o maior representante do cinismo, escola filosófica grega que defendia
que a felicidade resulta da vida desapegada de coisas materias, que a
simplicidade traz a vida leve e que a necessidade deve ser o fio condutor para
as ações humanas. Diógenes era bem humorado e ágil em dar respostas a seus
interlocutores. Conta-se que certo dia estando ele em sua casa (que era um
tonel ou barril), Alexandre o Grande se apresentou dando-lhe a oportunidade de
pedir o que quisesse. A história diz que Diógenes pediu apenas que o imperador
saísse da frente do sol, pois assim estava impedindo que sua luz chegasse até
ele. Se esta história é verdadeira ou falsa não se sabe ao certo, mas que o
cínico Diógenes tinha um estilo de vida "leve" e distante das
convenções sociais, isso é fato.
Falemos de Presto, o mágico. O desajeitado Presto é um mágico amador que
se esforça para realizar tarefas centrais do grupo, mas quase sempre suas ações
acabam em piorar a situação. Contudo, o estilo atrapalhado dele foi a solução
para problemas da equipe em alguns episódios. O filósofo lembrado pelo perfil
de Presto é o alemão Karl Marx (1818-1883). Marx, amado e odiado, compreendido
e ignorado, lido e especulado, foi um filósofo cujo pensamento até hoje causa
"furdunço". Assim como a intenção de Presto em ajudar o grupo muitas
vezes se traduzia em tragédias, a filosofia de Marx, que é uma análise
filosófica, sociológica e econômica de sua época, foi transformada, em muitos
casos, em sistemas ideológicos nocivos à humanidade do século XX.
A
jovem Sheila é a personagem mais doce do desenho animado. Ela tem um perfil
marcado pela delicadeza e pelos princípios morais de sua ações. Sheila também
possui uma habilidade considerável: consegue ficar invisível e com isso
alcançar lugares perigosos e ajudar a resolver situações icônicas da série,
como, por exemplo, entrar nas dependências do Vingador sem ser percebida. A
Sheila me fez lembrar o filósofo dinamarquês Soren Aybe Kierkegaard
(1813-1855). Kierkegaard produz um tipo de filosofia delicada. Seu pensamento,
que é marcado profundamente pela relação com Regina Olsen, sua ex-noiva,
transmite a ideia de que o valor ético é o caminho que leva o homem a alcançar
uma existência racional. Fazendo uma analogia, podemos afirmar que assim como
Sheila, Kierkegaard ficou invisível. Ele ficou invisível para muitos filósofos
contemporâneos, que acreditavam que seu pensamento era mais uma teologia que
mesmo uma filosofia, até que suas ideias influenciaram grandes pensadores do
século passado, como o francês Jean-Paul Sartre (1905-1980) e tornaram-se
obrigatórias para os estudiosos do movimento existencialista.
Analisemos agora o perfil do Érick, o mais "reclamão" de todos
os personagens. O "Cavaleiro", como é chamado pelo Mestre dos Magos,
é pessimista, arrogante e muitas vezes egoísta. Seu comportamento quase sempre
produz desconforto entre os demais, embora também produza situações engraçadas.
Erick de cara me lembrou o filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860).
Schopenhauer, famoso pela sua filosofia pessimista, é um pensador do século XIX
que consegue produzir textos controversos, tendo como exemplo um no qual ele
faz a análise biológica das diferenças entre os sexos, fixando atividades
sociais para ambos de acordo com esta análise. O alemão também era conhecido
por sua relação conflituosa com a família. Sua filosofia pessimista conclui que
"viver é sofrer" e que o prazer nada mais é que um momento de
ausência de dor, pois não existe satisfação durável.
Agora
nós iremos analisar o caçula do grupo, o pequeno Bob. Embora o mais novo do
grupo, é o mais corajoso e também o mais prático. Com o "Bárbaro"
tudo era na força bruta. O que "não presta" deve ser destruído, desfeito.
Bob usa um bastão, uma ferramenta manuseada com firmeza e pouco critério. É
claro que Bob nos lembra o ilustre filósofo alemão Friedrich Nietzsche
(1844-1900). Quem mais ele lembraria? Nietzsche é famoso pelo seu pensamento
ácido, muitas vezes agressivo contra os valores de sua época. A filosofia de
Nietzsche é comparada a marteladas, justamente pelo seu caráter destrutivo,
desmoronador. Nietzsche se empenhou em construir um pensamento que criticava
abertamente o perfil, segundo ele, niilista da filosofia clássica e do
cristianismo. Suas obras são marcadas pelo estilo livre e aforístico, onde
abertamente critica os valores de sua época. Com Nietzsche é na força bruta.
Por
último, mas não menos importante, está o Henk. O "Arqueiro" é o líder
do grupo. Ele conduz este nas aventuras, guia a equipe em direção do lugar
desejado. Henk quase sempre tem tudo "mapeado" em sua cabeça, sabendo
sempre como e quando agir. Esta característica curiosamente me lembra o
filósofo também alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831). Hegel é
compreendido por alguns e ignorado por muitos, muitos mesmo. Um filósofo
considerado complexo. Contudo, algo é fácil de perceber: Hegel reduziu
todo o mundo objetivo a um sistema de pensamento. Nada, em sua visão, escapa à
razão. Literalmente Hegel reduz tudo ao pensamento. Sua filosofia
abrangente mas ao mesmo tempo redutora, pois segundo críticos, ignorava a
subjetividade, é combatida por pensadores contemporâneos ou posteriores, como é
caso dos já citados filósofos Schopenhauer e Kierkegaard. Henk buscava
resposta para tudo com base na razão, na observação, mas às vezes ignorava as
situações em que esta objetividade pode falhar. Assim com Henk no desenho
animado, Hegel é um idealista, filósofo da dialética, pensador do mundo, e
mapeador da realidade.
É
claro que existem outras muitas análises filosóficas possíveis a partir dos
personagens de Caverna do Dragão, mas penso que estas serão
compreendidas por todos os amantes de Caverna do Dragão e Filosofia como
eu. Por isso eu peço: leia, releia e critique-me, pois se não houver crítica
não é filosofia.
Autor: Líniker Santana

Achei fantásticas as análises, mesmo esse desenho não sendo de minha época, pude em meus poucos anos de vida saborear de vários episódios. Devo afirmar que quando falastes de Diana, antes mesmo de ler a analogia, tinha pensado em Diógenes de Sínope, provavelmente devido ao recente assunto passado em sala. Gostei bastante e não posso nem concordar nem discordar devido ao meu pouco conhecimento quanto à maioria dos filósofos citados, entretanto fico contente em ter lido algo que venha a acrescentar meu conhecimento. Passa bem.
ResponderExcluirDefinitivamente o desenho que até hoje me deixa interrogações que, provavelmente, não serão respondidas. Ótima análise, professor. O senhor é o melhor!Abraço.
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