sábado, 20 de julho de 2019

João, o ensimesmado

João está preso, quem poderá libertá-lo?
Ele tem boca, mas não fala. Ele tem olhos, mas não vê tudo que deveria. Ele tem pernas, anda com elas, mas acelera os passos para longe de tudo e de todos. Seus ouvidos procuram refúgio no silêncio do nada e na vastidão do todo. Ele é João, o ensimesmado. 

Suas manhãs, cinzentas como regra, são cenário para ele se esconder. Busca, no drama do seu ser, o consolo para não sucumbir à pressão do cinza mortal de tão real. João não consegue sentir nada além do medo de perder a si mesmo, pois o seu ser, aos seus olhos, é tudo que tem.

As tardes de João são diferentes, elas abandonam o cinza. O rapaz, que não se rende ao encanto da vida, coloca-se à fila da estrondosa tristeza que assola a muitos, fechando-se como uma prisão sem grades. João, o ensimesmado, ensimesma-se ainda mais.

As noites são de turva visão. Ganha-se o frio, que gela o já gélido coração do rapaz. A sensação de solidão que ele tem se eleva à potência, tornando o garoto uma fortaleza de altos muros, impossível de ser conquistada. João precisa ser conquistado, mas como? Não é impossível?

Ele dorme e dá trégua momentânea ao seu drama, mas sabe que logo haverá um novo dia, que trará um novo cinza, acompanhado de uma nova tristeza e produzindo uma nova solidão. João está preso e não consegue sair, não pede ajuda, pois não consegue falar, não grita, pois não tem forças, não chora, pois acabaram-lhe as lágrimas. Ele é João, o ensimesmado.

Como pintar os céus cinzas com cores alegres? Como produzir canção no silêncio sepulcral do sol vespertino? Como fazer brilhar as noites com suas belas luas? Estas perguntas torturam João, mas também lhe acalmam, nas raras vezes que isso acontece. Em tese, pensa o rapaz, se há a pergunta, há grandes chances de possuir uma resposta para ela. 

Disseram ao João que as respostas a estas indagações estão dentro dele. Para trás de mim, simplistas canalhas! João não tem nada dentro de si, só o vazio, seu fiel companheiro. Ele precisa de cores? Tragam-no os que as têm, eles mesmos, os pintores! Pintam esperança, pintam amor, dando cores ao coração. Pintores de vida, aqueles que nada julgam, mas agitam as águas paradas do coração sofredor de João e outros tantos. Há pintores por aí, espalhados, tirando do cenário cinza, tantos sofredores.

Tragam os músicos! Que façam o silêncio romper com canções de amor! Os músicos vêm a vida como uma grande canção de amor. Cantem, toquem para João, deem música à existência dele! Venham outros e aqueçam a noite de João! Um lençol de carinho, um abraço de atenção e um chá quente de empatia darão uma noite diferente ao ensimesmado garoto. Talvez o rapaz, fechado em si, saia, bata a poeira dos olhos gamados na escuridão e veja a esperança que ainda não morreu, pois está bem ali, longe o suficiente para ser alcançada por João, mas perto demais para ser abandonada. Ajudem João a alcançá-la.


Autor: Líniker Santana


11 comentários:

  1. Quantos "Joãos" existem por aí, o mundo precisa daqueles que contribuam para a extinção dos "Joãos" através da empatia.
    Linda reflexão para a vida, parabéns Lineker.

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    1. Grande poeta Luiz! Obrigado pela visita ao meu blog! Sim, precisamos que mais pessoas com a virtude da empatia! Há muitos joãos precisando de ajuda.

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  2. Que reflexão linda Professor Lineker!

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    1. Obrigado! Nos visite sempre, é sempre um prazer para nós!

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  3. Que linda reflexão, quando comecei a ler não conseguir parar. Parabéns pastor Liniker

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Aline, muito obrigado! Leia sempre nossos textos, é um prazer tê-la conosco por aqui! Abraços!

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  4. A Empatia e a falta dela é o grande bem demostrado nesse texto. Está afundado no vazio e nas trevas da solidão é o mal que persegue os "desconectados". "João" assim como eu, acredito que precisa preencher lacunas e tornar a firmar laços com o mundo. Misturar um pouco de pigmento nesses tons tênues, e aprender a conviver com os próprios demônios. Uma vida colorida, ainda assim precisa de um pouco de "preto" para contrastar e fazer o "colorido" ainda mais notável e valorizado. "João" precisa aprender a preencher sua pintura com o pouco de tinta que for deixado por aqueles que pelo quadro de sua vida passam, precisa reverberar as canções que unem e dão sentido as lembranças. E mesmo assim, precisa se dar conta que o vazio e a solidão são eternas companheiras, mas que podem ser moldadas à introspecção e evolução pessoal. "João" precisa saborear o amago pars saber a ternura do doce. "João" precisa aprender a viver...

    Belo texto Mestre, excelentíssima reflexão. Me fez recordar de meus conflitos juvenis e de todo o processo e de todos os valores e sabedoria que adquirir. Desejo sucesso, saúde e felicidades!

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    1. Millikan, és uma potência! Concordo, um pouco de escuridão é importante para se valorizar a luz. Contudo, em pessoas como João, de alma já necrosada pela amargura, é preciso sobrepor a tais dicotomias! Ele precisa de cor, de luz!

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  5. Que texto denso e profundo... Excelente Reflexão professor!!! Parabéns pelas palavras :)

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    1. Obrigado ilustre professora! É sempre bom tê-la por aqui, nos dando sua briosa e intelectual posição sobre os assuntos tratados.

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