segunda-feira, 29 de novembro de 2021

O prazer no processo: o percurso como elemento significante da existência

Às vezes, quando apaixonados, pensamos exatamente quando e como será o momento em que teremos o prazer de pôr o objeto de nossa paixão em nossos braços. Este desejo também cerca um casal que mapeia e cria seu primeiro encontro de ordem sexual. A expectativa é sempre em torno do ato em si, da consumação, seja do beijo, no primeiro romance, seja da relação carnal, numa situação erótica.

Há, porém, uma maneira pouco habitual, mas bastante intelectual de conceber o prazer: a busca deste sendo o verdadeiro prazer. Johannes, personagem do “Diário de um Sedutor”, obra do filósofo dinamarquês Sorën Aybe Kierkegaard (1813- 1855), deixa isto bem evidente em seu percurso intelectual para seduzir Cordélia, seu objeto de desejo. 

Johannes di Silentio, como é conhecido este personagem de Kierkegaard, apresenta o processo de conquista como algo que coloca o homem em um estado de suspensão de espírito, numa dimensão de arrebatamento do “eu”. A percepção do belo, a observação dos detalhes do objeto, o viver cada situação, as possibilidades que cercam os momentos preliminares, na verdade se constituem a verdadeira harmonia de espírito que emite o prazer. Na condição de sedutor, Johannes via no prazer a finalidade de sua vida. As múltiplas maneiras de encontrá-lo faziam dele um verdadeiro mestre da ambiguidade, pois sempre conseguia tomar proveito de cada situação de uma maneira específica:


Nada de impaciência, nada de avidez; o prazer deve ser bebido em lentos tragos; ela está predestinada, encontrá-la-ei de novo.


Esta maneira de viver em função do prazer é definida por Kierkegaard como modo estético de existência. Tudo deve ser cercado de ambigüidade, de beleza e de sedução. O processo em busca do prazer deve ser o próprio prazer. Johannes seduz Cordélia e não deixa nenhuma evidência física ou moral nela, mas lhe deixa registrado no espírito uma marca indecifrável, pois era uma marca de intelectualidade, de sedução pensada, planejada e desejada.


Bom, alguém poderia perguntar: mas, qual a relação entre sedução e filosofia? De um ponto de vista filosófico, o que está em foco não é a sedução em si, mas a suspensão de espírito causada pelo processo de conquista. Há aqui já uma diferença entre a “normalidade” e o processo filosófico: viver a situação é mais importante de que a posse dalgum objeto. Viver a situação, então, é existir e usufruir desta existência de maneira que o prazer não se limite à exterioridade, mas seja o que poderíamos chamar de emancipação do “eu”.

Kierkegaard, ao qual se atribuí, às vezes, a alcunha de “Mestre da subjetividade” construiu uma filosofia que lançou as bases do existencialismo que mais tarde foi desenvolvido por outros filósofos, tendo, talvez, em Jean-Paul Sartre (1905-1980), sua maior expressão, embora num viés em que não se admitisse a existência de Deus. O Existencialismo tem como base a afirmação de que a existência precede a essência, sendo o homem, então, livre para viver sua subjetividade sendo responsável por suas escolhas em todas as perspectivas possíveis, pois sua essência será definida pela existência que possuir, que decidir ter. Há, porém aqui uma observação: segundo Kierkegaard, o homem pode escolher viver sua subjetividade até na renúncia de sua própria vontade ou do prazer em função da responsabilidade, do compromisso com outros quando se nega em alguns casos o “eu” em função de outros. Eis o estágio ético da existência segundo o dinamarquês.

Existir então é o foco, como essa existência se dará, apenas cada homem em sua subjetividade saberá. Usufruir do prazer de conquistar uma moça é uma opção existencial, uma maneira de relacionar-se com o mundo de modo que este seja mais que apenas uma expressão lógica das coisas, que vá além de uma relação epistemológica, seja uma forma de simplesmente ser.

Um comentário:

  1. Ótimo texto, permeado de reflexões importantes à vida, na condição hedonista.

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