domingo, 19 de fevereiro de 2023

Os filósofos de Caverna do Dragão

Caverna do Dragão é um desenho animado que marcou a infância de muita gente, deixando marcas permanentes do "ar de mistério" que ele possui. Embora tenha sido produzido originalmente no início dos anos oitenta (1983), foi a partir dos anos noventa que o desenho emplacou grande sucesso no Brasil. Ao mostrar as aventuras de seis adolescentes americanos que, depois de um passeio de montanha russa, foram parar em um lugar misterioso chamado apenas de "O Reino", o desenho animado conseguiu se eternizar na mente de toda uma geração de crianças e ainda registra significativa aceitação pelas crianças da atual geração.

Como fã de Caverna do Dragão que sou, me ocorreu a ideia de analisar cada um dos seis personagens à luz do perfil de alguns filósofos antigos, modernos e até contemporâneos. Provavelmente todo apreciador desta inesquecível série consegue descrever o perfil do seu personagem preferido ou até de todos, dependendo do grau de apreciação que tem. Ciente de que muitos leitores (e fãs do desenho) discordarão desta análise, o faço com bastante leveza e até desejo muito ler as prováveis críticas nos comentários.

Vamos começar a análise pela Diana. Diana é a acrobata. Suas notáveis habilidades consistem em movimentos ágeis, ideias rápidas e atitudes milimetradas. Além disso, ela possui bom senso de humor, sempre com boas risadas que podem ser constatadas em alguns episódios. Considerando que leveza e bom humor são as características predominantes da personagem, recordo-me do filósofo cínico Diógenes de Sínope (413-323 a.C.). Diógenes, famoso pelas anedotas atribuídas a ele, é o maior representante do cinismo, escola filosófica grega que defendia que a felicidade resulta da vida desapegada de coisas materias, que a simplicidade traz a vida leve e que a necessidade deve ser o fio condutor para as ações humanas. Diógenes era bem humorado e ágil em dar respostas a seus interlocutores. Conta-se que certo dia estando ele em sua casa (que era um tonel ou barril), Alexandre o Grande se apresentou dando-lhe a oportunidade de pedir o que quisesse. A história diz que Diógenes pediu apenas que o imperador saísse da frente do sol, pois assim estava impedindo que sua luz chegasse até ele. Se esta história é verdadeira ou falsa não se sabe ao certo, mas que o cínico Diógenes tinha um estilo de vida "leve" e distante das convenções sociais, isso é fato.

Falemos de Presto, o mágico. O desajeitado Presto é um mágico amador que se esforça para realizar tarefas centrais do grupo, mas quase sempre suas ações acabam em piorar a situação. Contudo, o estilo atrapalhado dele foi a solução para problemas da equipe em alguns episódios. O filósofo lembrado pelo perfil de Presto é o alemão Karl Marx (1818-1883). Marx, amado e odiado, compreendido e ignorado, lido e especulado, foi um filósofo cujo pensamento até hoje causa "furdunço". Assim como a intenção de Presto em ajudar o grupo muitas vezes se traduzia em tragédias, a filosofia de Marx, que é uma análise filosófica, sociológica e econômica de sua época, foi transformada, em muitos casos, em sistemas ideológicos nocivos à humanidade do século XX.

A jovem Sheila é a personagem mais doce do desenho animado. Ela tem um perfil marcado pela delicadeza e pelos princípios morais de sua ações. Sheila também possui uma habilidade considerável: consegue ficar invisível e com isso alcançar lugares perigosos e ajudar a resolver situações icônicas da série, como, por exemplo, entrar nas dependências do Vingador sem ser percebida. A Sheila me fez lembrar o filósofo dinamarquês Soren Aybe Kierkegaard (1813-1855). Kierkegaard produz um tipo de filosofia delicada. Seu pensamento, que é marcado profundamente pela relação com Regina Olsen, sua ex-noiva, transmite a ideia de que o valor ético é o caminho que leva o homem a alcançar uma existência racional. Fazendo uma analogia, podemos afirmar que assim como Sheila, Kierkegaard ficou invisível. Ele ficou invisível para muitos filósofos contemporâneos, que acreditavam que seu pensamento era mais uma teologia que mesmo uma filosofia, até que suas ideias influenciaram grandes pensadores do século passado, como o francês Jean-Paul Sartre (1905-1980) e tornaram-se obrigatórias para os estudiosos do movimento existencialista.

Analisemos agora o perfil do Érick, o mais "reclamão" de todos os personagens. O "Cavaleiro", como é chamado pelo Mestre dos Magos, é pessimista, arrogante e muitas vezes egoísta. Seu comportamento quase sempre produz desconforto entre os demais, embora também produza situações engraçadas. Erick de cara me lembrou o filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860). Schopenhauer, famoso pela sua filosofia pessimista, é um pensador do século XIX que consegue produzir textos controversos, tendo como exemplo um no qual ele faz a análise biológica das diferenças entre os sexos, fixando atividades sociais para ambos de acordo com esta análise. O alemão também era conhecido por sua relação conflituosa com a família. Sua filosofia pessimista conclui que "viver é sofrer" e que o prazer nada mais é que um momento de ausência de dor, pois não existe satisfação durável.

Agora nós iremos analisar o caçula do grupo, o pequeno Bob. Embora o mais novo do grupo, é o mais corajoso e também o mais prático. Com o "Bárbaro" tudo era na força bruta. O que "não presta" deve ser destruído, desfeito. Bob usa um bastão, uma ferramenta manuseada com firmeza e pouco critério. É claro que Bob nos lembra o ilustre filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900). Quem mais ele lembraria? Nietzsche é famoso pelo seu pensamento ácido, muitas vezes agressivo contra os valores de sua época. A filosofia de Nietzsche é comparada a marteladas, justamente pelo seu caráter destrutivo, desmoronador. Nietzsche se empenhou em construir um pensamento que criticava abertamente o perfil, segundo ele, niilista da filosofia clássica e do cristianismo. Suas obras são marcadas pelo estilo livre e aforístico, onde abertamente critica os valores de sua época. Com Nietzsche é na força bruta.

Por último, mas não menos importante, está o Henk. O "Arqueiro" é o líder do grupo. Ele conduz este nas aventuras, guia a equipe em direção do lugar desejado. Henk quase sempre tem tudo "mapeado" em sua cabeça, sabendo sempre como e quando agir. Esta característica curiosamente me lembra o filósofo também alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831). Hegel é compreendido por alguns e ignorado por muitos, muitos mesmo. Um filósofo considerado complexo. Contudo, algo é fácil de perceber: Hegel reduziu todo o mundo objetivo a um sistema de pensamento. Nada, em sua visão, escapa à razão. Literalmente Hegel reduz tudo ao pensamento. Sua filosofia abrangente mas ao mesmo tempo redutora, pois segundo críticos, ignorava a subjetividade, é combatida por pensadores contemporâneos ou posteriores, como é caso dos já citados filósofos Schopenhauer e Kierkegaard. Henk buscava resposta para tudo com base na razão, na observação, mas às vezes ignorava as situações em que esta objetividade pode falhar. Assim com Henk no desenho animado, Hegel é um idealista, filósofo da dialética, pensador do mundo, e mapeador da realidade.

É claro que existem outras muitas análises filosóficas possíveis a partir dos personagens de Caverna do Dragão, mas penso que estas serão compreendidas por todos os amantes de Caverna do Dragão e Filosofia como eu. Por isso eu peço: leia, releia e critique-me, pois se não houver crítica não é filosofia.


Autor: Líniker Santana

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